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O estranhamento do desejo: "Babygirl", autoimagem e a mulher íntima de si.

Filme Babygirl
Filme Babygirl
Depois de muita espera, consegui ver Baby Girl. Nicole Kidman interpreta uma mulher aparentemente bem-sucedida, com uma vida que muitos invejariam: beleza, casamento, filhos. Mas por trás dessa fachada de perfeição, o que transparece é uma mulher em constante conflito com o seu próprio desejo e identidade. Ao longo do filme, vejo uma personagem que, embora tenha tudo, sente que falta algo. Algo mais profundo, algo visceral. Uma busca por algo que vai além da superfície de sua vida bem organizada. Essa busca é, em muitos aspectos, o reflexo de uma tensão universal enfrentada por tantas mulheres: o desejo de se conhecer completamente, sem as máscaras que a sociedade exige, sem os papéis pré-definidos que nos são impostos.

Esse dilema da personagem é o espelho de uma realidade dolorosa e, ao mesmo tempo, libertadora. Uma mulher bem-sucedida, que aparenta estar completa, mas que, no fundo, vive uma vida de desejos reprimidos, de uma sexualidade engolida pelas convenções sociais. Tenho certeza que já ouviu histórias parecidas...

Em sua busca por algo mais, ela se perde no prazer, na entrega, na submissão ao outro. Mas o que esse desejo significa? O que é esse orgasmo metafórico que ela busca? No fundo, é uma busca pela liberdade de ser, um desejo profundo de se desvincular da imagem moldada pelas expectativas do mundo.

É aqui que o filme toca em algo que raramente é falado de maneira tão honesta: o estranhamento da mulher que está em busca de sua verdade, de sua essência. Freud, dizia que o desejo é frequentemente reprimido, guardado no inconsciente, e que a sexualidade está longe de ser uma questão meramente biológica. Para ele, o desejo está imerso nas complexidades da mente humana. E Baby Girl nos oferece essa reflexão: como uma mulher pode ser, ao mesmo tempo, bem-sucedida e profundamente insatisfeita? Como podemos ter tudo e, ainda assim, sentir que falta o mais essencial?

É nesse espaço de insatisfação que surge o desejo por submissão, pelo desconhecido, pelo inusitado. Lacan, em sua teoria do desejo, nos fala do "outro" como um campo de projeção e separação. O que ele propõe é que nunca somos inteiramente nós mesmos; sempre há algo de "outro" em nós, uma distância, um vazio entre o que somos e o que desejamos. No caso de Baby Girl, essa distância é precisamente o que a faz buscar o prazer em algo inesperado, algo que desafia o controle que ela mantém sobre sua vida.

Sua submissão não é sobre se submeter ao outro, mas ao que está além de si mesma, ao prazer que a liberta.

Para muitas mulheres, como para a personagem do filme, o desejo de ser dominada, de se entregar ao outro, não é apenas uma questão de poder ou controle, mas de descobrir algo novo dentro de si mesma. A submissão se torna uma metáfora poderosa de liberdade. É no momento da entrega que a mulher se liberta das correntes invisíveis da perfeição, das expectativas, e se permite experimentar um prazer que vai além do corpo.

Ela se submete, mas não à vontade do outro, se submete ao seu próprio desejo, ao seu próprio despertar.

Essa busca por um prazer transformador também é um reflexo de uma autoimagem que se reconstrói constantemente. Quando estamos profundamente conectadas com quem somos, quando somos íntimas de nós mesmas, nossa presença no mundo se torna desconfortável para os outros. A mulher que não precisa de validação externa, a mulher que se conhece e não teme se entregar ao que é inusitado, ao que é profundo, carrega consigo uma energia que assusta.

Para ela, o prazer e o desejo não estão mais ligados ao que o outro quer de sua imagem, mas ao que ela deseja de si mesma.

É justamente nessa entrega que o estranhamento entre o "eu" e o "outro" se revela. Na busca por se conhecer profundamente, em sua vulnerabilidade e intensidade, a mulher começa a explorar um espaço de autoconhecimento que poucos ousam. O medo da entrega surge não só pela vulnerabilidade do corpo, mas pela vulnerabilidade da alma. Submeter-se ao prazer é, muitas vezes, um salto no desconhecido, onde não apenas o corpo se entrega, mas a própria identidade se desconstrói e se refaz. O que há de mais belo e, ao mesmo tempo, aterrador nessa entrega, é que ela nos permite nos ver de uma maneira que nunca imaginamos, não mais pelas lentes de uma sociedade que nos define, mas pela nossa própria verdade, nua, sem adornos, sem máscaras.


A mulher que vai ao encontro de si mesma, encontra no desejo não apenas uma busca por prazer físico, mas uma jornada de autoconhecimento e autossuficiência. O prazer, o sexo, a submissão ao outro, são uma extensão desse processo de entrega e descoberta. O prazer não é mais sobre agradar ou ser desejada, mas sobre encontrar e habitar um espaço onde a verdadeira liberdade se encontra. A mulher que se submete ao desejo não está, portanto, se enfraquecendo; ela está, na verdade, se fortalecendo, se reconstruindo.
 
O filme Baby Girl nos convida a refletir sobre esse processo de entrega.
Ao nos entregarmos, ao nos permitirmos ser dominadas, não estamos apenas realizando um desejo físico. Estamos nos entregando a nós mesmas, a todas as facetas que fomos ensinadas a ocultar. Nesse momento de vulnerabilidade, de perda de controle, experimentamos o despertar de novas versões de nós mesmas, aquelas que o mundo insistiu em esconder. E, quando nos conectamos com o outro, mais do que nunca, a gente se encontra, não apenas na sexualidade, mas em cada espaço que o outro nos oferece para habitar nossa verdade mais profunda.
 
A entrega não é sobre se submeter ao outro, mas sobre se submeter ao que de mais visceral e verdadeiro existe dentro de nós. E, assim, a mulher que se conhece se torna uma força autêntica, que não se preocupa mais com o "enojo" do olhar alheio, mas com a transformação interna que ela mesma protagoniza.
 
Fernanda Preto Mariano

 

 

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